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Coração Relógio

Os ponteiros pararam de funcionar em 29 de julho de 2012, precisamente às 16 horas, 27 minutos e 49 de segundos. Eu não sabia o profundo significado que esse fato aparentemente corriqueiro possuía, até que a própria vida deu um jeito de me mostrar. De qualquer maneira, devo admitir que naquela época eu havia percebido que o relógio falhava com frequência. O que eu não percebi é que eu definhava junto com ele, e quando seus ponteiros congelaram no tempo, meu coração também o fez.

É importante notar que apesar disso, o tempo não parou de correr. Logo minúsculas teias se formaram no que restou do meu corpo imóvel, desprovido de alma. E como os fios minúsculos e invisíveis que movem os personagens num teatro de bonecos, as teias me guiaram durante o tempo que passava, garantindo a sobrevivência de um corpo que não sentia nada.

Eu andava, comia, falava, até sorria quando era preciso. Mas não era eu. Era uma boneca quebrada por dentro, com olhos opacos que não refletiam a luz que chegavam até eles. Acho que escuridão é isso. Devo dizer que é uma existência miseravelmente infeliz.

O relógio permaneceu com seus ponteiros parados. Minha mente dormente simplesmente não conseguia lidar com essa situação, ponteiros que não andavam. E ela também não possuía energia alguma para consertá-los. O relógio foi tirado do pulso e colocado na gaveta. Uma solução infantil, de uma mente imatura e assustada.

A certa altura, o relógio começou algum tipo de atividade em seu interior. Como se os ponteiros, cujo propósito da existência era se mexer, estivessem morrendo em ficar parados e tentassem encontrar força aonde não existia para moverem-se. E eu comecei a sentir essa força como um quase pulsar dentro de mim, algo maior que eu, tentando fazendo meu coração voltar a bater.

Tenho certeza que eventualmente eu conseguiria reunir a energia necessária para atingir tal feito. No entanto não tive a chance de saber o que poderia ter acontecido, ou se teria de fato conseguido. Você, com suas tristes palavras ao me deixar, soprou vida ao meu corpo inerte e me despertou inteiramente daquele transe.

Foi como se eu tivesse criado uma nova consciência da existência. Não tenho palavras para descrever a sensação de ver o mundo como se fosse a primeira vez. Com outra – ou melhor, como eu percebi, sem nenhuma lente. Apenas com os meus olhos. Aqueles olhos castanhos que brilham ao te ver, aonde você tantas vezes viu seu reflexo e se encontrou em mim.

Esses olhos recém-despertos, extasiados por estarem em uso, choraram até secar ao verem tudo o que perderam enquanto o relógio esteve parado. E ainda mais depois, quando perceberam que não mais estampariam o seu reflexo da mesma maneira. E diante de tamanho choque, estou lutando muito para que eles não fiquem opacos e sem vida novamente. É difícil quando tudo o que eles veem é um mundo feio, sem cor, sabor, música, movimento.

Esse é o mundo sem você. Sem o seu cabelo que reflete os raios de sol, sem os seus beijos com sabor de chocolate, nozes e passas ao rum. Sem a sua música que movimenta o meu corpo. E como se viver assim já não fosse suficientemente insuportável, tenho ainda um defeito irreparável, o qual meus olhos ou a minha mente nada podem fazer para me ajudar.

É esse buraco no peito, cujo vazio dói terrivelmente. É esse abismo que se abre aos meus pés quando tento respirar e no qual eu quero tanto cair, para atingir o fundo, ser enterrada e ver se assim eu não sinto essa dor devastadora. É uma sensação tão grande de impotência diante da vida, que me assusta. Mas ainda assim posso dizer que a mente é um mecanismo incrível, eficiente, e que a não ser quando adoece, sabe muito bem o que faz. E ela fez o que podia por mim.

Não cabe à razão ou a consciência os sentimentos do coração. Cabe mais ao relógio no meu pulso, cujos ponteiros andam a cada segundo fazendo o tempo passar, remendar esse buraco que tenho no peito e arranjar a força necessária para manter esse coração batendo, apesar de tudo que o tenta sufocá-lo nesse momento.

Quanto aos meus olhos, eles te viram há alguns dias. Viram seus longos cabelos, a expressão do seu rosto, a postura do seu corpo, a camiseta colorida e a fumaça que envolvia você numa névoa que o tornava distante e intocável para mim. Era simples e puramente você, tão perto e ainda assim, intangível. E eu me apaixonei como se fosse a primeira vez que o visse. Porque você é essa pessoa, que tem esse efeito sob mim.

Eu não sei o que faria se não fosse a perfeita falta de sincronia em nossos movimentos e olhares, que impediu você de olhar para onde eu estava durante aqueles breves segundos em que permaneci parada, olhando para você. Embora eu desejasse profundamente que você me visse e fosse tomado pela intensidade do mesmo sentimento que me invadia, você não havia me visto ainda, ou não queria ver. E não veria mais.

Fui embora e quando pude, deixei-me cair e chorei. Não sei o que procurava, ao procurar você. Não queria vê-lo, não queria sentir tudo aquilo, apenas para perdê-lo novamente. Talvez eu preferisse não sentir nada, talvez eu não quisesse que você estivesse lá, tão perto, tão real, e tão longe dos meus braços como você jamais esteve.

Talvez um dia eu seja capaz de curar esse buraco no peito, e não sufoque em desgosto com a sensação de perda, injustiça e revolta. Sei que preciso guardar esses sentimentos para que eles não tomem conta de mim e me transformem numa boneca de olhos opacos novamente. Eu prometo a você que irei tentar, de verdade. E espero deixar você orgulhoso um dia. Por hora, que doa tudo o que tem que doer. Para mim basta que você saiba de uma única coisa:

Enquanto eu realmente viver, meu coração bater e os ponteiros do relógio andarem, meus olhos irão arder de paixão ao encontrar os seus.

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